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Lado B #1 — Domingo Hernandez Sánchez

O artigo examina o significado atual das heterocronias, dos anacronismos e de outras interrupções do tempo histórico.

Lado B #1

Num passado que já parece longínquo, em plana vigência analógica, os grupos musicais pop editavam com frequência os chamados singles. Aí colocavam a música que lhe parecia mais talhada para o sucesso imediato e, logicamente, numa intencionalidade mainstream esta era divulgada e massificada intensamente. Como todos recordam os discos analógicos tinham dois lados (hoje aí estão outra vez…) um denominado A e o outro, denominado B. O carácter secundário do outro lado permitiu, também, que parte importante da experimentação avançada pelos intervenientes activos de então aí fosse colocada. A lógica era simples, só os mais curiosos e atentos iriam virar o disco e escutar o outro lado, o lado B. O tempo veio colocar em destaque toda essa vertente experimental e de risco. Não são raros os casos em que a recuperação se faz exactamente a partir das músicas impressas no lado B. O outro lado aparece, hoje, como o mais interessante, longe da assimilação e trituração comercial a que foram sujeitos os lados A. O seu distanciamento e natural obscurecimento perante os spotlights, apontados ao lado principal, preservaram-nos e trouxeram-nos até nós, hoje ouvintes digitais, como obras primeiras.

A metáfora aqui apresentada pretende, antes de mais, ser um ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada sobre a premência do deliberado afastamento a que se remetem algumas obras e textos. A sua permanência ausente da crista da onda (metáfora analógica, mas com intencionalidade digital) permite-lhes um grau de risco e de experimentação que não é passível de ser realizado em sistema de recepção mainstream. É sobre eles que queremos reflectir, sobre a sua necessária lucidez, que as protege e distingue da torrente de acomodação e deslumbramento, fundamento último para a sua existência enquanto obras ou textos que querem resistir à actual voracidade e velocidade do novo. Sem intuitos morais de representantes oficiosos de qualquer tempo ou tecnologia, apenas como obras ou textos.

Fernando José Pereira

Como citar:

Pereira, F. J. (Ed.) (2019). Domingo Hernandez. O passado e os seus inimigos. Lado B - Cadernos DAP, (1). i2ADS/DAP. https://doi.org/10.24840/978-989-54111-7-7

Sobre Lado B

Num passado que já parece longínquo, em plana vigência analógica, os grupos musicais pop editavam com frequência os chamados singles. Aí colocavam a música que lhe parecia mais talhada para o sucesso imediato e, logicamente, numa intencionalidade mainstream esta era divulgada e massificada intensamente. Como todos recordam os discos analógicos tinham dois lados (hoje aí estão outra vez…) um denominado A e o outro, denominado B. O carácter secundário do outro lado permitiu, também, que parte importante da experimentação avançada pelos intervenientes activos de então aí fosse colocada. A lógica era simples, só os mais curiosos e atentos iriam virar o disco e escutar o outro lado, o lado B. O tempo veio colocar em destaque toda essa vertente experimental e de risco. Não são raros os casos em que a recuperação se faz exactamente a partir das músicas impressas no lado B. O outro lado aparece, hoje, como o mais interessante, longe da assimilação e trituração comercial a que foram sujeitos os lados A. O seu distanciamento e natural obscurecimento perante os spotlights, apontados ao lado principal, preservaram-nos e trouxeram-nos até nós, hoje ouvintes digitais, como obras primeiras. A metáfora aqui apresentada pretende, antes de mais, ser um ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada sobre a premência do deliberado afastamento a que se remetem algumas obras e textos. A sua permanência ausente da crista da onda (metáfora analógica, mas com intencionalidade digital) permite-lhes um grau de risco e de experimentação que não é passível de ser realizado em sistema de recepção mainstream. É sobre eles que queremos reflectir, sobre a sua necessária lucidez, que as protege e distingue da torrente de acomodação e deslumbramento, fundamento último para a sua existência enquanto obras ou textos que querem resistir à actual voracidade e velocidade do novo. Sem intuitos morais de representantes oficiosos de qualquer tempo ou tecnologia, apenas como obras ou textos.