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Como o andar e o desenhar se cruzam [How walking and drawing intersect] constitui o enunciado simples de uma série de questões colocadas ao fazer e ao pensar daqueles que, porque desenham e pensam o desenho, se vêem directamente implicados na natureza heurística, aberta, especulativa e investigativa do desenho. As questões que foram lançadas para integrar a presente edição da revista consentiam, enquanto propostas de estudo e de projecto artístico, distintas aproximações: a experiência de viagem, o caminhar, a breve pausa ou o deambular, a atitude analítica ou o registo livre, ou ainda a acção projectiva, o gesto poético e a expressão performativa.
Não há caminho, faz-se o caminho ao andar.
António Machado
Há dezoito anos, em Março de 2002, a revista PSIAX dava os seus primeiros passos com a publicação, do seu número inaugural. Seguiram-se 10 números ao longo destes últimos anos, de acordo com uma sequência, embora irregular e errática, sempre estimulada e decidida pelo ambiente de investigação científica e académica, pelo âmbito da pedagogia e ensino, pelo contexto das diferentes práticas e projectos artísticos em Desenho, e também, consequentemente, pelo estudo sobre as suas diversas formas e conteúdos, sobre a função e a finalidade das suas imagens.
Assinala-se este breve excurso não apenas para reconsiderar, no essencial, o que no panorama nacional caracteriza e distingue a duração temporal da revista PSIAX, mas agora, sobretudo, para a relançar no quadro mais criterioso e, talvez, cerimonioso, de uma vida nova, a das publicações com arbitragem científica. Este é um passo importante para o reconhecimento dos estudos e dos projectos em Desenho, desenvolvidos ou em progresso, no âmbito da investigação artística e universitária.
A etiqueta académica e os protocolos epistemológicos oriundos das Ciências vêm, há já algum tempo, a atrair os furores das actividades artísticas – justamente, laboriosas e operosas –, um domínio que, não correspondendo exactamente à exigência de demonstração, mostra tão só, pura e simplesmente, a imaginação operante, ou melhor, o trabalho das imagens. Em contrapartida, é quase certo que os estudos e os projectos na área de Desenho veêm nos requisitos da investigação científica um universo de encontros e transversalidades fundamentais para o exercício da reflexão, da exigência crítica e da intenção teórica na qual se geram também os seus gestos, os seus propósitos, bem como a profundidade das suas acções e conceptualidade.
Em outras épocas mais remotas, suscitava-se somente o génio criativo, e isto bastava para explicar a surpresa e/ou a emoção primordial das práticas artísticas, mas hoje, perante os imperativos do conhecimento, do presentismo das imagens e dos meios técnicos de difusão e criação, que avassalam a disponibilidade para perceber e a possibilidade da inventiva, mostrar o que se faz em desenho implica necessariamente confrontar outras vertentes, outros campos de saber e não-saber, indagar o que se pensa e imagina: o que se faz em imagens e através das imagens.
Neste campo de problematização, que envolve a dimensão histórica e crítica, mas também a experiência visual e as práticas do presente, torna-se muito importante delinear o sentido de um campo disciplinar aberto. Ainda assim, apesar da indisciplina que lhe é manifestamente intrínseca, enquanto independência e exigência de fazer e imaginar, a avaliação das práticas de estudo e de investigação na área de desenho permite configurar um plano de consistência a que se reporta a diversidade das suas expressões e conteúdos. Desde o simples gesto sobre o papel até ao projecto expositivo e performativo, através do qual se confronta o espectador e o espaço público, o “andar” da linha mobiliza a corporalidade e, conjugadamente, a consciência crítica e participativa dos seus traços e das suas motivações, quer estéticas quer éticas e políticas. A singularidade do desenho reside pois na inter-relação das motivações que dinamiza, fazendo-se o seu caminho ao andar, no decorrer do percurso que realiza, das imagens e das reflexões que descobre, dos problemas que enfrenta, sempre por meio da natureza vital e comum dos seus traços, linhas, manchas, representações, figuras e imagens.
Como o andar e o desenhar se cruzam [How walking and drawing intersect] constitui o enunciado simples de uma série de questões colocadas ao fazer e ao pensar daqueles que, porque desenham e pensam o desenho, se vêem directamente implicados na natureza heurística, aberta, especulativa e investigativa do desenho. As questões que foram lançadas para integrar a presente edição da revista consentiam, enquanto propostas de estudo e de projecto artístico, distintas aproximações: a experiência de viagem, o caminhar, a breve pausa ou o deambular, a atitude analítica ou o registo livre, ou ainda a acção projectiva, o gesto poético e a expressão performativa. Por se tratar de mostrar e de pensar, simultaneamente, a prática de caminhar e os gestos de desenhar, o âmbito aberto das respostas originou inúmeras e diferentes contribuições entre as quais se seleccionaram os projectos e os artigos que ora se apresentam.
Natasha Antão, Silvia Simões e Vitor Silva
Como citar:
Simões, S., Antão, N. & Silva, V. (2020). PSIAX - Estudos e reflexões sobre desenho e imagem #4, 2ª série. i2ADS/FBAUP, Lab2PT/EAUM, FAUP. https://doi.org/10.24840/1647-8045_2020
Porquê Psiax? Psiax é o nome de um dos pintores de vasos gregos que terão introduzido a grande mudança do desenho com a técnica das figuras vermelhas no início do século V a.C. Este é um dos mais notáveis aspectos da arte do desenho e da sua adaptação a uma necessidade tecnológica, empresarial, ritual e social, num dos períodos mais relevantes da cultura grega.
Se nos servirmos de uma analogia com a vida de Psiax na Grécia Clássica, e vivêssemos num período de figuras pretas, como se nos colocaria o quadro de inovação na representação da imagem nos artefactos que utilizamos dominantemente ou que poderão vir a ser utilizados? Ao ser produzido por meios digitais ou manuais, o que se inova e constrói? Como é que se acede a essas imagens? O que as caracteriza e como é que a representação ganha aspectos inovadores ou qualificadores da experiência artística?
A orientação editorial pretende promover e divulgar estudos sobre o papel que o desenho poderá desempenhar no nosso tempo, quer ele se concretize como processo de compreender o mundo, quer como meio de aprendizagem e ensino, ou como elemento caracterizador essencial dos objectos artísticos já existentes ou a criar.
Pretendemos dar a conhecer estudos sobre o desenho como imagem considerando que o desenho como arte plástica, manual ou digital, além de se constituir por um conjunto de elementos típicos e próprios da sua específica condição material, é, acima de tudo, uma imagem que ocupa lugares no universo infinito de outras imagens materiais, foto-químicas e electrónicas que hoje nos envolvem.
Importa ligar o passado do desenho - autores, modalidades, temas, tendências, escolas - com as urgências e o sentido de progresso e de ideologia, com as hipóteses que se levantam, com as necessidades que vão da sobrevivência ao sonho, recuperando a memória longínqua do desenho e conduzindo-a para uma actualidade em que se exigem novos entendimentos de uma arte básica do ser-se humano.
Interessa a publicação de estudos monográficos, analíticos, doutrinais, programáticos, metodológicos e críticos desde que se estabeleça, em qualquer dos âmbitos, uma relação entre o passado e o presente. Isto é, interessa colocar as diversas perspectivas em debate, em sintonia, em confronto, em paralelo, em analogia com os problemas, os esforços, as realidades, as obras e as teorias do nosso tempo, quer no domínio da pedagogia, da teoria e prática do desenho, quer no campo da expressão artística.
A Psiax integra uma chamada internacional de participações e revisão cega por pares. Adotando práticas que visam ampliar os contributos e sua consequente disseminação, reforçando a confiança científica e artística dos conteúdos apresentados, contribuindo para a qualidade da investigação realizada nestes domínios de conhecimento.