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Registo de uma investigação pessoal que se cruza, como em todas as pesquisas, com as de outros autores, tanto jovens investigadores, como investigadores seniores, nacionais e estrangeiros, e de áreas que vão das Artes Plásticas, à Biologia, à Arquitetura, à Gravura e à Educação Artística, num debate que se tenciona aberto, franco e, se possível, que alimente a continuidade do debate que a paisagem foi trilhando ao longo da história em paralelo com as artes e os artistas.
No momento em que descia do Mont Ventoux, Petrarca [1] terá respondido à incompreensão partilhada por um pastor sobre as razões que o levaram a subir o monte, dizendo: -Porque estava ali!. Esta resposta, mesmo envolta em misticismo, argumentará as razões da ligação à Paisagem de muitos outros exploradores ao longo dos séculos, com subidas, descidas ou 7 travessias de lugares que, do ponto de vista da utilidade, pouco ou nada pareciam acrescentar. Numa frase que sintetiza tanto de insignificante como de revelador, podemos perceber que a paisagem será um território para a compreensão pessoal, mais do que para o espaço em si, de que Simmel, nos seus textos ‘A Filosofia da Paisagem’ [2] e ‘Os Alpes’ [3], insistiu em promover. A paisagem é a experiência pessoal desenvolvida a partir da relação com o território e com os seus elementos. A paisagem é também cultural, como defende Maderuelo [4] e que Alberto Carneiro [5] tão bem expôs.
Da necessidade de definir a ligação humana estabelecida com o território, visível em muitos exemplos ao longo da história, nasce o termo ‘paisagem’ [6]. Assume-se para definir a relação que tantos poetas, artistas, autores, escritores, pintores, mas também geólogos, arqueólogos, biólogos, botânicos, arquitetos, físicos, foram estabelecendo com os elementos do território, assente sobretudo numa curiosidade e na expectativa que o território poderia suscitar.
Muito provavelmente, ao longo de toda a sua existência, a humanidade terá desenvolvido relação com o espaço e com os seus elementos, nomeadamente por sobrevivência. Isto não significa que a paisagem será tão ancestral como o humano. Como refere Maderuelo, a paisagem é criada no século XVI, pelo que, anteriormente o que podemos referir é a influência do território e dos seus elementos [4].
Noutra perspetiva, a paisagem é associada ao termo Natureza, diluindo-se, não raras vezes, as definições [7]. A Natureza, manifestação do selvagem, foi em vários momentos o elemento que caracterizou a paisagem, como se poderá observar ao longo do Romantismo, onde Natureza e paisagem se caracterizavam por manifestarem a presença do incontrolável, do selvagem, do divino. Este diálogo não deverá ser ignorado, embora, também não deverá ser confundido como sendo o mesmo. A Natureza caracteriza muitos dos elementos que integram a paisagem, nomeadamente a dimensão do incontrolável, do desconhecido, do que nos é externo. Por sua vez, a paisagem como definição, ao assumir- se como cultura [4, 6], inscreve tanto elementos humanos como exteriores. Integra dimensões do simbólico, da convivência, da comunidade, do isolamento, do doméstico, da mesma forma que integra o natural, os elementos, as matérias e o selvagem.
Por isso, a paisagem será sobretudo um evento projetado, onde o sujeito se enuncia e revê na relação que estabelece com o território [6]. A paisagem será, portanto, coisa humana. Neste contexto, compreende-se como a Estética [2, 4, 6, 7] se assume para descrever e explicar a relação com o território, por via da paisagem: do Sublime ao Belo, do visível ao Transcendental, do material ao imaterial, a paisagem vai encontrar eco e definição no contexto da Estética, sobretudo inspirado por Longinus [8] e Aristóteles, mas também por Kant [10], Burke [11], Hegel [12], Simmel [2, 3] e Hume. Do sentimento sublime, condição de temor perante o incomensurável, passando pela manifestação descontrolada dos elementos indomáveis do mar e da montanha, até às intensas dimensões lumínicas que transitam da obscuridade de António Carneiro, aos intensos crepúsculos e opúsculos de Turner, até às mutações da fachada da Catedral de Rouen registados por Monet [13], até aos alvoreceres dos jardins florestas de Klimt, a paisagem ganha um lugar na Estética de forma sedimentada.
Trecho de Curar a paisagem: A ética como definição da paisagem contemporânea em arte
Domingos Loureiro
Abril, 2023