book
Em um clima de festa decidimos que escreveríamos o II volume de uma série, que iniciamos no primeiro Encontro com as Artes, as Lutas, os Saberes e os Sabores (2017) , pensado e escrito coletivamente – nós do quilombo de Conceição das Crioulas e os nossos parceiros e parceiras.
Somos quilombolas de Conceição das Crioulas, Salgueiro-PE, localizados no interior do Estado de Pernambuco, centrado no semiárido brasileiro. Somos mulheres e homens que habitamos em grande maioria no meio rural e também no meio urbano. E claro! Esse urbano é o urbano periférico e longe dos serviços públicos de saúde, educação, moradia, portanto, expostos as muitas violências. E o rural? O rural é aquele que ainda guarda rios sem poluição, florestas, palmeiras, castanhais, áreas com grandes extensões de minérios e, sobretudo a caatinga, além de outros recursos naturais não nominados aqui. Somos também mulheres e homens que, apesar das grandes estiagens, nos mantemos firmes até a chuva chegar, sem perder a esperança de lutar por dias melhores e um mundo mais justo. Ao defender nossos territórios, somos ameaçadas e ameaçados e, em nome deles temos morrido, inclusive nós mulheres quilombolas que além das grandes filas nos hospitais, morremos defendendo nossos territórios, como mostra pesquisa da CONAQ e Terra de Direito (2018). A pergunta quem somos, seria desnecessária se nossas agências não tivessem sido tão violentadas, nossos corpos não tivessem sido tão marcados e despedaçados para satisfazer às crueldades do racismo. E, se nossas vozes não tivessem sido caladas? Se nossas vozes não tivessem sido tão silenciadas, talvez já tivéssemos superado parte da ignorância que a sociedade brasileira tem ao nosso respeito. Sempre quisemos falar, porém, ignoradas(os) e separadas(os) de muitos bens públicos. E quem nos separou e continua nos separando desses bens é a cultura do machismo e racismo, que se somam e produzem a classe social dos mais empobrecidos. Ah, isso nos abala? Claro que sim! Só não tira de nós a capacidade de lutar e defender nossos territórios. Também não tiram de nós o desejo de viver dignamente, nós que estamos aqui hoje, e os que ainda virão. Somos nós mulheres e homens em defesa da vida ou de um “bem–viver” que atenda ao mundo urbano e rural, as crianças e os adultos. Não nos agarramos muito às classificações, aliás, o que mais nos anima e fortalece é a nossa pertença as nossas raízes ancestrais africanas. Definimo-nos como mulheres e homens quilombolas, urbanos e rurais que enfrentam dia a dia as crueldades do racismo e do machismo, sem perder a capacidade de lutar, de nos indignar e tocar a vida, e mais, não abrimos mão da nossa beleza e a firmeza herdadas de Dandara, Esperança Garcia, Tereza de Benguele, Mendencha, Francisca Ferreira, Agostinha Cabocla… e, sendo assim, não abrimos mão de sorrir e assim seguimos ensinando e aprendendo, dançando trancelim e forró, fazendo artesanato, plantando e colhendo. E, animadas e animados por essas mulheres e tantas outras, realizamos o II Encontro com as Artes, as Lutas, os Saberes e os Sabores de Conceição das Crioulas, no período de 14 a 20 de julho de 2019.
Em um clima de festa decidimos que escreveríamos o II volume de uma série, que iniciamos no primeiro Encontro com as Artes, as Lutas, os Saberes e os Sabores (2017) , pensado e escrito coletivamente – nós do quilombo de Conceição das Crioulas e os nossos parceiros e parceiras. Ele não traz só as vozes e escritas de quem escreve e (re)escreve e sim, de todas as mãos que vieram/produziram a escrita do I Encontro e do II. Muitas dessas mãos e mentes que escreveram e (re) escreverem o encontro – matéria prima deste livro, nunca sequer visitaram uma universidade e escrevem juntos. Outras mentes sim, estiveram/estão na academia. Umas mãos e mentes foram/ficaram, vieram/voltaram e nunca escreveram em papel e sim na vida por meio de seu exemplo e entrega à luta em defesa do território. Contudo, foram esses corpos, mãos e mentes que deixaram em nossas memórias – seu legado. Esse legado é o que temos de mais precioso hoje e o entendemos com o nome de (re) existência e que fará parte das escritas deste livro. Teria um nome mais adequado para resistência, poder escrever nossa própria história e do nosso jeito? É em nome dessas mãos, corpos e mentes que simbolizam resistência que estamos aqui e aqui vamos falar. Esta é a voz e a escrita coletiva de mulheres e homens quilombolas do passado, presente e futuro de Conceição das Crioulas. O II volume do livro Partilha de Reflexões sobre Artes, as Lutas, Saberes e Sabores da comunidade quilombola de Conceição das Crioulas, se divide em duas partes. A primeira, composta por textos escritos por estudantes, lideranças, pesquisadores/as e professores/as quilombolas de Conceição das Crioulas. Nessa parte expressamos nossas impressões, nosso sentir/viver/fazer do/no II encontro. Já a segunda parte, estão contribuições, reflexões e sentir/vivenciar dos e das que nos visitaram e, durante uma semana compartilhamos e trocamos saberes e sabores. É a junção dessas duas perspectivas – quilombola e academia que anima e nos ensina que podemos adquirir, trocar e compartilhar saberes, sem a hierarquia que determina o mais e o menos importante. Viva o ato de aprender-ensinar! E, com a possiblidade de ampliar, agrupar e transformar mais mentes, que venha o III Encontro com as Artes, as Lutas, os Saberes e os Sabores!
Givânia Maria da Silva
Como citar:
Paiva, J. C. de (Ed.) (2020). Partilha de reflexões sobre as Artes, a Luta, os Saberes e os Sabores da Comunidade Quilombola de Conceição das Crioulas - Livro II. i2ADS. https://doi.org/10.24840/978-989-9049-04-8