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Ao enfatizar que as imagens vão além de simples ilustrações, Fernando Hernández-Hernández propõe que elas atuam como agentes de transformação, moldando percepções, discursos e, por consequência, realidades sociais.
Ouvir e ver a comunicação de Fernando Hernández-Hernández significou compreender o [in]visible através dos olhos lúcidos de quem foi capaz de ver a alma deste projeto. A apresentação de Fernando sobre o projeto [in]visible – no seminário final intitulado “bruaá do [in]visible: discursos das imagens nos manuais escolares”, no dia 19 de julho de 2024, na FBAUP (Porto, Portugal) -, não apenas ilumina a importância das imagens nos manuais escolares, mas também nos convida a refletir profundamente sobre o que essas representações fazem nas nossas vidas e nas nossas identidades. Ao enfatizar que as imagens vão além de simples ilustrações, o autor propõe que elas atuam como agentes de transformação, moldando percepções, discursos e, por consequência, realidades sociais.
Fernando Hernández-Hernández inicia a sua indagação destacando o papel do arquivo como uma prática de investigação dinâmica. O arquivo não é um mero depósito de imagens, mas sim um espaço de criação que reflete e projeta as decisões de investigadores e investigadoras, interligando diferentes contextos históricos e culturais. Esta estrutura cronológica revela tanto as permanências quanto as transformações nas representações de identidades nos livros escolares, refletindo as mudanças na sociedade e os desafios enfrentados pelas infâncias e pelas famílias.
Ao explorar a “agência das imagens”, o autor propõe uma análise que vai além da história tradicional da educação, almejando uma compreensão mais ampla do impacto visual na formação de identidades. As três aproximações à cultura visual apresentadas — Semiótica, Estudos Culturais e Feministas, e a noção de agência — convidam-nos a questionar como as imagens nos veem e nos posicionam, além de como moldam subjetividades e comportamentos sociais. Este exercício crítico é fundamental para a formação docente, pois propõe que as educadoras e os educadores não apenas leiam as imagens, mas que também questionem a sua função e significado.
Fernando avança na sua análise e chama ao seu texto Didi-Huberman, ressaltando que as imagens dos livros escolares não são neutras. Elas possuem um poder ativo na forma como nos relacionamos com o mundo, perpetuando ou desafiando normas sociais sobre família, género e etnia. Ao comparar ilustrações de diferentes épocas, o autor revela a evolução das representações da família, que passaram de um modelo homogéneo para uma diversidade que reflete a realidade contemporânea. Esta crítica à representação leva-nos a considerar o que é visível e o que permanece invisível, chamando a atenção para as narrativas que ainda não foram contadas.
O autor também aborda a questão das “infâncias”, destacando que não se trata de uma categoria universal, mas sim de construções sociais que variam em diferentes contextos. A lenta inclusão de representações de infâncias diversas, especialmente após 1991, reflete transformações sociais que exigem uma reavaliação crítica por parte de educadoras/educadores e de criadoras/criadores de conteúdo pedagógico. Fernando encoraja-nos a descentrar as pessoas adultas nas discussões sobre infância, ouvindo as vozes das crianças e considerando as suas experiências.
Neste sentido, o projeto [in]visible propõe uma nova forma de pensar as imagens que nos cercam. Ao convocar educadores e educadoras a questionar as narrativas dos livros didáticos e a fomentar o pensamento crítico nas crianças, o projeto promove um espaço de reflexão essencial num mundo saturado de imagens. A frase de Pedro Costa, que nos lembra da falta de tempo para a reflexão entre tantas imagens, ressoa como um chamado à ação: é preciso parar, olhar e questionar.
Concluímos que o projeto [in]visible não é apenas uma investigação sobre imagens; é uma convocação para reimaginar as relações entre representação, educação e sociedade. Ao reconhecer o poder das imagens e o seu papel na formação de subjetividades, abrimos caminho para novas narrativas que podem enriquecer a experiência educativa e social. As imagens que consumimos não apenas refletem a sociedade, mas também moldam o que ela pode tornar-se. E nesse espaço de possibilidades, somos todos chamados a agir, a perguntar e a participar de um diálogo que promova uma educação mais inclusiva, crítica e consciente, que também procure tornar visíveis as invisibilidades.
A publicação deste texto, inserido na “Desajustados — Coleção de textos falados #7”, editada pelo ID_CAI – Identidades_Colectivo de Acção/ Investigação destaca as imagens dos manuais escolares como agentes de transformação que moldam percepções e realidades sociais, e propõe o arquivo como uma prática investigativa dinâmica que cruza diferentes tempos e contextos.
Cristina Ferreira
A série ‘Desajustados, Coleção de Textos Falados’, que o i2ADS edições publica, por iniciativa do IDENTIDADES_coletivo de ação/investigação, assumida numa forma informal e selvagem, apenas pretende espalhar na forma escrita alguma das oralidades oferecidas em eventos diversos que a FBAUP e o movimento intercultural IDENTIDADES acolheu e que assim sobrevivem ao esquecimento. Outros números surgirão.