catalogue

Deambulações Gráficas

No seguimento do trabalho que tenho desenvolvido desde 2000, esta exposição apresenta um conjtunto de trabalhos que partem da ideia de paisagem. Das minhas viagens recolho experiências gráficas e visuais que posteriormente são ativadas no processo criativo.

  • Edição
  • Sílvia Simões
  • Ano
  • 2021
Deambulações gráficas

“Sur le motif: desenhar é o motivo do desenho”

Esta exposição da Artista Sílvia Simões apelida-se “Deambulações gráficas”.

Assim sendo, neste texto, deambulemos, isto é, andemos sem destino, vagueemos e divaguemos: recusa-se a lógica encerrada de um texto, optemos pelas anotações soltas ao correr das imagens.

Constatações:
São “paisagens”, mas, ao contrário dos alpinistas que dizem que escalam montanhas “porque elas estão lá”, aqui as montanhas, os vales, as árvores, não “estão lá”, não respondem a nenhum local específico, real ou existente.

Exatamente pelo contrário, o desenho permite desenhá-las porque elas não estão lá.

Portanto não são paisagens, são “paisagens gráficas”: o que na realidade existe não é o “assunto”, o “tema” (a existência da paisagem como sítio), mas sim a realidade do desenho, dos sinais gráficos, dos estímulos visuais: a paisagem como “género gráfico”.

O desenho aqui não é um instrumento de mediação entre o exterior (a paisagem) e o seu autor, mas sim o próprio fim, a própria finalidade, a própria vitalidade. O desenho aqui não é um “ponto de vista”, um modo de ver; o desenhar é a acção, é o motivo do desenho.

A ideia da paisagem é simplesmente um pretexto, um “tema” para o excesso das variações, uma âncora para a “overdose”. Assim, como bem indica o título da exposição, na realidade as deambulações não são pela paisagem mas sim pelas “grafias”, pelo fascínio arquétipo do surgir da imagem através dos procedimentos do desenho.

O que assistimos é ao desafio do retorno ao início, ao “pecado original” da folha vazia, e assim a essa overdose, a esse excesso, ao desmedido da quantidade, das acções, dos procedimentos, dos resultados, das marcas, das texturas, das linhas, dos gestos, dos negros, dos cinzas, dos brancos, …

Estar fechada em casa e imaginar a paisagem. Que melhor para tentar superar os sucessivos confinamentos, do que o abrir o espaço?

Em 1785, o pintor inglês Alexander Cozens publicava o seu livro “A New Method of Assisting the Invention in Drawing Original Compositions of Landscape”. O processo era simples: atirar uns borrões de tinta e, tal como no teste de Rorschach, reagir aos estímulos visuais provocados pelas manchas, começando a imaginar montes e vales, planícies e montanhas, árvores e nuvens. É o princípio do improviso: agir, reagir, começar e ver o que acontece.

Uma última nota: dizia o Júlio Pomar que “a pintura não é redutível à palavra. Se o fosse, bastava-nos sermos ceguinhos e ouvir os relatos”. No mesmo sentido, um texto de catálogo nunca é uma “porta” para coisa nenhuma. Explicações para quê? Ou, de outra maneira, como escreveu a Sophia, “a poesia não explica, implica.”

Mário Bismarck
Artista, professor e investigador do i2ADS
03 de Maio de 2021