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Desobedecer ao tempo

Fernando José Pereira desenvolve desde os anos 1990 uma prática reflexiva tão importante quanto a sua práxis estritamente artística, reordenando desse modo, entre a desobediência à consensualidade e o espaço crítico que carrega uma esperança, o tempo e a sua memória.

  • 6 April 2024
  • 4:00 PM
  • Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira

Desobedecer ao tempo

Uma exposição de Fernando José Pereira
Inaugura sábado, dia 6 de abril 2024, às 16h
Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira

Enquanto estratégia de resistência, Fernando José Pereira desenvolve desde os anos 1990 uma prática reflexiva tão importante quanto a sua práxis estritamente artística, reordenando desse modo, entre a desobediência à consensualidade e o espaço crítico que carrega uma esperança, o tempo e a sua memória. Familiarizando-nos com esse território de análise, estabelece ainda similitudes entre a projeção criativa do artista e a superação do alpinista face aos elementos da natureza, ao reconhecer a impossibilidade de partilhar a experiência do sublime associada ao verdadeiro exercício da arte como à conquista de uma montanha.

Por outro lado, ao perseguir a complexidade das relações da arte com a tecnologia, o artista assume o imperativo da experiência multidisciplinar, privilegiando, contudo, as ligações entre o projeto instalativo e as imagens em movimento. A sua atividade situa-se aliás na fronteira entre as artes plásticas e o cinema, apresentando-a em exposições e bienais, como em mostras e festivais de cinema. Neste sentido, diríamos, fronteiriço, a ‘cultura da reflexão’ constituirá para o artista a geografia de uma derradeira ‘utopia do exílio’ e a arte tenderá a ser defendida como veículo de antagonismo. Nesse lance, como afirma Jacques Rancière, a arte manterá ‘um duplo efeito: a legibilidade de uma significação política e um choque sensitivo ou percetual provocado, mutuamente, pelo estranho, por aquilo que resiste à significação.’

Sobre a presença ou a ausência do 25 de Abril de 1974 nas nossas vidas, Fernando José Pereira escreve, como alerta e reflexão necessária, ‘vivemos tempos desmemorizados. 50 anos parece uma infinitude de tempo – ainda mais com uma mudança de século e de milénio pelo meio – e, no entanto, os acontecimentos de há 50 anos encontram-se mais que presentes neste tempo que, contudo, parece nada querer ter a ver com o tempo. A memória individual e as memórias coletivas são, por isso, ferramentas essenciais do nosso presente. Talvez este seja um pensamento inatual no interior desta construção abstrata a que se chama contemporâneo. Talvez seja um pensamento utópico (assim com letra minúscula, longe da Razão com o R maiúsculo), um gesto desejante. E, apesar de tudo, da maior importância. Trazer a memória até nós é fundamental e, no entanto, estranhamente, não é suficiente. Precisamos que seja acompanhada da história para que o devir possa estar presente… como nesse gesto, também ele imensamente desejante, que se corporizou há 50 anos. Esta exposição olha para trás, para poder ver em frente. A ditadura existiu e fez as suas vítimas, muitas. Outros, muitos, resistiram. É para todas essas mulheres e homens que esta exposição é feita. Como um gesto desejante, mas, também, solidário.’

David Santos, curador da exposição