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Que papel poderá ter a prática da incerteza criativa e do não saber nas condições crescentemente incertas da vida contemporânea? De que modo valorizamos o não saber, agora que a vida contemporânea se afigura tão incerta, tão infundada, perante a desestabilização sociopolítica global, o colapso económico e a agitação social que se refletem a nível internacional, nacional e local? Como driblar as implicações niilistas do não saber — a sensação debilitante de não ter poder ou potência, a sensação de não haver meta ou sentido? Como é que as formas afirmativas de não saber podem ser fomentadoras da atitude de abertura? Como é que as práticas de investigação artística podem oferecer táticas para o não saber, onde o desconhecido é ativamente abraçado?
Passou uma década desde que ‘Táticas Para Não Saber: Preparar-se para o Inesperado’ (no original, Tactics for Not Knowing: Preparing for the Unexpected) foi publicado pela primeira vez em On Not Knowing: How Artists Think (Black Dog Publishing, 2013) editado por Elizabeth Fisher e Rebecca Fortnum. ‘Táticas Para Não Saber’ também se baseia em experiências e encontros que se desenrolaram ao longo de vários anos antes da redação do próprio texto. Em muitos aspetos, o mundo atual parece ser um lugar muito diferente. Muita coisa parece ter mudado (tanto por aceleração como por retrocesso) nos últimos dez anos: crise ambiental, crise existencial, crise humanitária, crise política, crise económica, crise educativa. Crises de confiança, crises de segurança, crises de cuidado, crises de atenção […] Frequentemente, a resposta ao desconhecimento e à incerteza — à experiência da precariedade, da instabilidade, da indeterminação — é uma forma de mitigação, a tentativa de regressar a um estado ilusório de segurança e estabilidade, de ordem e controlo. Ou então, a reação pode ser uma mobilização afetiva, que se faz valer do medo e da incerteza dos outros para gerar lucro e o ganho. Veja-se a ascensão da direita política. Da intolerância. Da nostalgia fascista. As tendências sempre privatizadoras e individualizantes do neoliberalismo. Que papel poderá ter a prática da incerteza criativa e do não saber nas condições crescentemente incertas da vida contemporânea? De que modo valorizamos o não saber, agora que a vida contemporânea se afigura tão incerta, tão infundada, perante a desestabilização sociopolítica global, o colapso económico e a agitação social que se refletem a nível internacional, nacional e local? Como driblar as implicações niilistas do não saber — a sensação debilitante de não ter poder ou potência, a sensação de não haver meta ou sentido? Como é que as formas afirmativas de não saber podem ser fomentadoras da atitude de abertura? Como é que as práticas de investigação artística podem oferecer táticas para o não saber, onde o desconhecido é ativamente abraçado?
Na última década registaram-se também mudanças profundas na educação e na escola de artes: ameaças generalizadas às artes e humanidades, a par do privilégio das disciplinas STEM e de uma determinada inteligência lógico-numérica necessária a ambientes de trabalho crescentemente orientados para a gestão de dados, métricas e medições, administração e burocracia. No entanto, como poderemos valorizar outras espécies de inteligência — as que são criativas e críticas, interpessoais e intrapessoais, linguísticas e musicais, corporal-cinestésicas e espaciais? A educação corre o risco de se tornar irrevogavelmente instrumentalizada, cada vez mais orientada para o mercado — cada vez mais centrada nas competências profissionais e na empregabilidade, no retorno económico e na produção de trabalhadoras-consumidoras adaptáveis e submissos. A investigação académica está encarregada dos grandes desafios do nosso tempo — crise climática, sustentabilidade, envelhecimento da população — e da conceção de soluções através da inovação científica, tecnológica e de engenharia. Paralelamente, como é que a investigação pode também responder às crises de curiosidade, de atenção e de pensamento crítico-criativo; aos desafios culturais, estéticos e aspetos éticos da vida?
Nos últimos dez anos o domínio da investigação artística consolidou-se definitivamente. Como pode a investigação artística intervir e oferecer novas perspetivas sobre as condições incertas da vida contemporânea? Considere-se a dupla função de rutura e afirmação da arte — a sua capacidade de tomar uma posição contra (antagonizar, desafiar, criticar, perturbar, problematizar, protestar, questionar, incomodar, inquietar) e, paralelamente, o seu potencial para tomar uma posição a favor, para conceber o ‘e se’, para imaginar outras possibilidades. Ora, como ser a favor através da resistência — como domar o sim do não?
Nestes termos, ‘Táticas Para Não Saber’ tenta ser um a favor que se manifesta como resistência. É uma forma de prosa crítico-criativa — ou o que eu descrevo como “escrita contígua”(1) — que tateia em vez de necessariamente ser sobre. Em certos pontos, tal escrita aproxima-se do aforismo, talvez mesmo do performativo: linhas e frases isoladas podem ser tomadas como provocações para ativar uma reflexão e um inquérito adicionais. É assim que tenho vindo a trabalhar com as preocupações do texto ao longo destes dez anos, regressando a fragmentos-pensamento específicos como pontos de partida para novo estudo artístico. Para além da tradução e reedição do texto original ‘Tactics for Not Knowing’, nesta edição introduzi duas intervenções sob a forma de anotações. Numa coluna de notas de margem partilho reflexões adicionais, referindo-me a alguns dos meus projetos de investigação artística mais recentes e a colaborações que continuam a ressoar com as preocupações do texto original. Nestes projetos de investigação artística (incluindo Dorsal Practices; Choreo-graphic Figures, The Italic I, No Telos), um foco central tem sido o desenvolvimento de ‘práticas’ específicas (para não saber) frequentemente partilhadas através de partituras, juntamente com a geração de léxicos poéticos que desenvolvem um vocabulário para pensar-com não saber. Rumo a práticas e poéticas do não saber: a minha investigação em curso envolve a tentativa dupla de trazer à consciência crítica os aspetos frequentemente escondidos, ocultos ou não revelados da prática artística, enquanto procuro um modo de expressão linguística fidedigna para com essa experiência. Paralelamente, uma segunda coluna de notas de margem inclui os títulos de projetos de escrita contígua retirados de dois volumes de escrita reunida: The Yes of the No (2016) e How Do You Do? (2023).(2)
Artistic Research Does is a series of individual takes published on the topic of artistic research, yet anti-ologically designed. It consists of a number of short authored submissions, conceived under investigation and for the occasion, published in the individual booklets, once a month and bilingual-ly (PT/ENG). Since the editors are not native English speakers and thus are unable to provide professional translations, every and each of their efforts to adapt text will be signed at the end so that the interpretative contingency is kept in mind.