Projeto de investigação | FCT/CEEC Individual
Prática Artística, Política e Envolvimento SocialComo podem o pensamento e práticas artísticas em torno do algodão, o seu poder histórico, e suas histórias de resistência, provocar diferentes processos de transformação social?
AR.CV procura reflectir criticamente sobre o cruzamento das forças da arte, ecologia e transformação social num contexto de crises ambiental, cognitiva, política, e cultural, tendo como foco o algodão a partir do projeto artístico “NI – Neve Insular” em São Vicente, Cabo Verde (CV), iniciado em 2018.
Observando a história da colonização portuguesa das ilhas de CV, com início no séc. XV, é conhecido que o algodão foi uma das bases do sistema escravocrata e cultural (Cabral, 2013, Torrão, 1991). Também é conhecida a panaria cabo-verdiana tanto pelo valor comercial para troca por pessoas escravizadas no período colonial (Carreira,1968, Shabaka, 2013), quanto pela permanência do seu encanto e representação identitária da nação independente (Figueira, 1998, Nolasco, 2018), apesar do desaparecimento do cultivo e dos saberes ancestrais ligados à panaria (Rainho, 2021a).
Deste modo, a NI tem proposto uma resistência à objetualização das memórias da plantação colonial de algodão; uma visibilidade sobre a destruição das espécies endémicas e dos saberes populares; e uma atenção à captura da panaria cabo-verdiana pela força do mercado de turismo (Nolasco, 2018). O projecto tem-se sido desenvolvido junto da comunidade, nos domínios agrícola, educativo e artístico, resgatando a cultura do algodão em CV, desde a semente, o seu cultivo e fiação, ao tear, numa atuação lenta com vários intervenientes humanos e não humanos (Rainho, 2021a).
É importante reforçar que o projeto de globalização económica é inseparável da plantação e da colónia (Mbembe, 2014). Neste contexto, a plantação baseada na escravatura, forjou um ciclo de exploração da terra, das pessoas e da cultura cujas marcas se mantêm até hoje de dimensão geopolítica global. É a partir da planta do algodão que AR.CV pretende realizar uma reflexão crítica sobre as suas representações discursivas, imagéticas e simbólicas. O estudo desta planta, dos ‘panos’ e seu poder histórico, permitirá considerar a resistência do pensamento e práticas artísticas a partir de CV, na era da lente crítica da plantationceno (Haraway, 2019, Myers 2020), e do modo como as artes podem contribuir para transformação social mobilizando a crítica sobre o poder histórico do algodão (Kesson-Arabindan, 2021, Kay, 2014).
Neste projeto é preciso aprofundamento em 4 principais diretrizes: i) O algodão em Cabo Verde como sinédoque da dimensão ecológica, política, cultural do colonialismo e capitalismo; ii) A potencialidade transformadora do pensamento e prática artística na sua implicação social, articulando arte, educação, ecologia; iii) O arquivo como dispositivo oficial de discurso e poder colonizador, em tensão com o arquivo vital entre as memórias de resistência no presente; iv) A fabulação crítica (Hartman, 2008) enquanto ferramenta participada de criação e investigação para outras histórias do presente.
Investigador responsável
Rita Rainho
Equipa
Gabriela Alves, José Carlos de Paiva, Miguel Costa
Publicações
RAINHO, Rita (2022). Sementes De Algodão Enraizadas No Atlântico – A Nudez De Quem Se Procura Anti-Colonial. In Robson Xavier da Costa (Org.), (Re)existências. 30º encontro nacional da ANPAP [e-book] (pp. 157-180). Editora do CCTA. ISBN 978-65-5621-277-7.
RAINHO, Rita (2022). Cultivar algodão, despir a violência e o esquecimento. In C. Paoliello, C. Albino (Eds.), Design e Artesanato – 22 verbos para 24 autores (pp.93-120). UA Editora, Universidade de Aveiro. ISBN 978-972-789-817-6.
RAINHO, Rita (2022). Lutas dos saberes negros na educação artística: memória do algodão entre Brasil e Cabo Verde. BUALA.
RAINHO, Rita (2021). Lutas dos saberes negr@s na educação artística – memória do algodão entre Brasil e Cabo Verde. In Amanda Midori & Sidiney Peterson (Eds.), O ensino artístico que temos e o que queremos: posturas, histórias e experiências no Brasil e em Portugal (pp. 50-59). i2ADS edições. ISBN 978-989-9049-12-3.
RAINHO, Rita (2021). A insurgência de uma plantação de algodoeiro hoje: dos tempos de magia escrava à resistência cultural pós independência em Cabo Verde. In Edite Colares & José Carlos de Paiva (Eds.), Experiências em Educação Artística e Decolonialidade [e.book] (pp. 78-94). i2ADS. ISBN 978-989-9049-10-9.
Organização de eventos
neve insular 0,0003% – algodão e resistência (31.03-21.04.2023). [Exposição, seminário e oficinas]. Organização do coletivo Neve Insular e do projeto de investigação AR.CV do ID_CAI / i2ADS. Apresentações de Anna Arabindan-Kesson (Universidade de Princeton University), Gabriela Carvalho (i2ADS), José Paiva (i2ADS), Miguel Costa (i2ADS), Rita Rainho (i2ADS/Neve Insular), Rosilene Monteiro (UTAGA, artesã cabo-verdiana) e Vanessa Monteiro (Neve Insular). Apoio: Banco Cabo-verdiano de Negócios, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Santander Universidades, CCCV, i2ADS. Parceiros: Associação Agropecuária do Calhau e Madeiral – AAPCM, Vanessa Monteiro Design – VMD, Oficina de Utopias – OU, Unidade de Transformação Agro-alimentar do Calhau – UTAGA e By Milocas. Centro Cultural de Cabo Verde CCCV, Lisboa, Portugal.
Distinção
‘Best of’ das artes visuais africana e afrodiaspórica em Portugal em 2023. Nomeação Artes Visuais & Cruzamento Disciplinar: Neve Insular, 0,0003% – Algodão e Resistência exposição & programa discursivo, Centro Cultural de Cabo Verde. [coletivo artístico Neve Insular e projeto semente AR.CV/i2ADS]