sem distância
falso movimento
variações
holga méndez
Para o Lugar do Desenho, Fundação Júlio Resende
Outono 2023
O movimento natural de entrada a uma sala de exposições leva-nos diretamente às salas, passamos pelos espaços sem reparar em eles. Entrei no Lugar do Desenho pela calçada que atravessa o jardim até o átrio no interior do edifício, à frente está a receção, à esquerda a sala de exposições temporárias, à direita, no centro, a escada; se continuo a caminhar pelo átrio, o espaço mostra distintas portas abertas e fechadas, uma delas é a sala3 HISCOX [de repente ouço Hitchcock, o Hitchcock de Rear window ou Vertigo –palavras, imagens e sons], cruzo o quarto até as janelas, olho para o jardim, desando e aparece o piano, um Boston, debaixo das escadas [viajo até uma das galerias em Serralves onde outro piano, um Bechstein, um Prepared Piano (2008) dos artistas Allora & Calzadilla está em exposição –dous pianos em duas pontas do Porto]. O trânsito pelos espaços –jardim átrio sala3– desenha (compõe esta partitura) a minha proposta para o Lugar do Desenho nesta rentrée outonal, onde a experiência do lugar junto aos limites da própria experiência treinam com o que não vemos ou ouvimos, o que não é visível ou audível, porém está. Uma frágil tentativa de trazer os limites, tornar os contornos, a relação com objetos, matérias, seres vivos, uma questão a pensar. Como artista este é o meu trabalho, olho e sou olhada, penso e sou pensada, imagino e sou imaginada. Tudo acontece nada se passa. Do mesmo jeito que a minha vida não se circunscreve a uma única cidade, o meu trabalho é afetado pelos contextos onde acontece. Tudo conspira e concorre para que a distância desapareça, se torne proximidade. Dentro e fora, pele e parede, ar e hálito, misturam-se. O cristal, a mica, o piano, os espelhos, a luz, o movimento, a respiração –individual e coletiva, mexem e conformam este poema espacial. Aqui e agora, esta é a península que estou a morar, conectada com o outrem –animal, mineral ou vegetal–. Espaços e tempos compartilhados em uma errância vital que nos/me possibilita a conexão/ligação com o mundo.
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holga méndez
É artista, doutora em Belas Artes pela Universidade de Vigo, professora permanente do Grado en Bellas Artes de la Universidad de Zaragoza (Espanha) e é, atualmente, investigadora externa do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS) da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal), onde está a desenvolver o projeto Península. Cartografías de la distancia no âmbito de uma bolsa para a Requalificação do Pessoal Docente Universitário Espanhol (2022-2024). A sua investigação artística ecoa as suas deslocações periódicas sem um único assentamento: vive e trabalha entre Porto, Pontevedra, Teruel e Valência. Este nomadismo inerente e peninsular -do oriente ao ocidente da Península Ibérica e vice-versa, do Atlântico ao Mediterrâneo- encena distâncias e limites como espaços abertos, elásticos e porosos. As viagens e os movimentos celebram a distância que torna visível o “entre” o “no meio de”, o que é comum e o que é próprio, o que nos aproxima e nos afasta neste território rodeado de água. Península como uma geografia sensível onde cultura e cultivo inventam uma cartografia interespécies para imaginar poeticamente o jardim. O plural e necessariamente fragmentário da instalação tornam-se uma sorte de palimpsesto, de banda sonora e ensaio visual onde nenhuma alteridade é estranha.