livro
Esta publicação resulta da segunda edição do IMMER #2 International Meeting on Museum Education & Research - Rethinking Theory and Practices.
“Imagine a strike not as an attempt to improve one’s salary alone but rather as a strike against the very raison d’être of these institutions” (Azoulay, 2019, p. 159)
No livro Potential History, Unlearning Imperialism, Ariella Azoulay inicia o capítulo Imagine going on Strike: Museum Workers, por um deslocamento da ideia de greve não apenas como um direito ao protesto contra a opressão e exploração, mas antes como uma oportunidade de cuidar de um mundo compartilhado, questionando os próprios privilégios, retirando-se deles e usando-os nessa luta.
O deslocamento proposto desvia-nos de uma matriz capitalista, ocidental, económica ou de classe, onde a greve dos trabalhadores de museus, ou da cultura em geral, reivindicaria ‘apenas’ melhores condições laborais. A proposta é a de, a partir de uma posição de privilégio (sendo capazes de olhar para cada uma das posições que ocupamos e suas relações com os poderes hegemónicos), usá-la como forma de paralisação. Imagine, escreve Azoulay, artistas, fotógrafos, curadores, académicos, visitantes de museus ou simplesmente visitantes desses espaços recusarem fazer aquilo que fazem e continuarem a ocupar os mesmos lugares porque “the field of art sustains the imperial condition and participates in its reproduction” (2019, p. 158). Esta posição introduz a questão de uma herança histórica pela qual cada um de nós é responsável no presente. Como herdamos e como perpetuamos as desigualdades criadas pelo capitalismo e pelo colonialismo afirma-se como a questão mais difícil, a partir do momento em que consideramos a nossa própria posição como um produto desses mesmos mecanismos. Estarmos atentos a estes lugares de privilégio, aos arquivos coloniais que nos habitam, e às desigualdades sociais e epistemológicas aí geradas, e simultaneamente a uma escassez de debate nas nossas instituições académicas e culturais sobre estas heranças, levou-nos a organizar a segunda edição do IMMER.
Não podemos deixar de questionar os diversos poderes que fazemos actuar, as instituições a que pertencemos, as violências que naturalizamos, mas também aquelas a que estamos atentos nas nossas próprias práticas e que sabemos cada vez melhor que não basta denunciar. Como educadores que somos estamos cansados de olhar para nós próprios nas instituições, para os estudantes, para os nossos colegas, ainda maioritariamente brancos, que são artistas, educadores, que estudam arte, que trabalham em museus, e que dificilmente reconhecem a colonialidade que se inscreve nos seus corpos, nos seus gestos, nas escolhas, nas formas de dizer, de pensar, de agir. Muitas vezes trata-se tão simplesmente do privilégio de poder estar em lugares, de frequentar espaços, de agir sem ser alvo de suspeita, de racismo estrutural; do privilégio de ter uma nacionalidade específica; de ter documentos; de não ser alvo de sexismo ou do privilégio heterossexual; do privilégio de ter um corpo percebido como ‘normal’ e ‘capaz’; ou de tantos outros privilégios que se legitimam através de formas de conhecimento, de capitais culturais e simbólicos, de formas de ser e de estar hegemónicas, de herdar arquivos civilizacionais tidos como universais. Reconhecer estes diversos privilégios não significa ‘vitimizar’ os ‘Outros’, nem poderá ser uma ‘instrumentalização’ desses ‘Outros’. Compreender a partir de uma posição privilegiada é compreender que na própria fabricação desses ‘Outros’ muitas estórias, histórias, lutas, resistências se perderam e se apagaram, e, assim, tentar não repetir e reconstituir as relações de violência e poder.
O IMMER 2 surgiu, então, com um propósito de questionamento e como um espaço que se pretendia abrir a um pensar em conjunto.
Marta Coelho Valente, Catarina S. Martins e Samuel Guimarães
IMMER was conceived with the purpose of creating a time and a space dedicated to the sharing and confrontation of experiences, in a broadened perspective of the interpenetration of discourses between theory and practice, focused on the educational territory in museums or other cultural structures – about its practical possibilities, assumptions, challenges and setbacks. On the one hand, it aimed to establish an informed field of practices and projects that have been referenced at an international scale and, on the other hand, to activate a network of critical reflection and discussion that had been deemed crucial to develop, particularly in the national territory.