A narrativa ortodoxa do conhecimento Ocidental revela uma obsessão muito particular com a clareza. Clareza, não é apenas entendida como expressão do inteligível, mas também, como claridade da luz. A suposta naturalidade dessa associação entre saber e clareza, vela – ou seja, não ilumina – uma história de dominação, de obscurantismo, de oclusões, de supressões de outras formas e narrativas de ser, sentir e saber. Nesta genealogia, o dizer, o visível, o sólido e a afirmação masculina, surgem como elementos naturalmente tidos por lógicos e certos. O fato de que “às escuras, uma pessoa racional faz um exame de consciência muito mais perfeito do que às claras” (Amos Oz, “Uma pantera na cave” 1998; 58), deve-se apenas a uma parcimónia: reduzir a complexidade ajuda ao ato de síntese de consciência. Mas essa redução do complexo não é uma necessidade, mas uma escolha, já que o oposto do complexo não é a simplificação, mas o reducionismo. Essa é a transgressão perpetrada pela epistemologia da luz.
Convidamos a musicista e investigadora Marina Cyrino para dilatar estas preocupações neste Artistic Research Does #6. Em “Ela é? um vibrar aeroelástico, o choro que chora a bruxa que chora cada bruxa que chora, ou uma estória de alguma maneira”, Marina Cyrino transporta-nos para a sua averiguação artística em torno da encoberta história da sujeição da sujeita, dentro do campo da música e do conhecimento. Através de uma articulação artística e conceptual, em que o corpo da mulher, a flauta, o sopro, a noite e a gargalhada doída do pássaro Urutau se travessam num corpo comum, Marina Cyrino entrega-nos aos fantasmas que a luz nos roubou.
Edição: Catarina Almeida e André Alves
Organização: i2ADS/FBAUP e DAP/FBAUP
Sobre a Artistic Research Does
Artistic Research Does é uma série de contribuições individuais sobre a investigação em arte, embora concebida anti-ologicamente. Um conjunto de breves submissões autorais, produzidas a convite e propositadamente para a ocasião, publicadas em edições isoladas em formato bilingue (PT/ING). Não estamos amarrados à ideia de definir investigação em arte, e tampouco é nossa intenção empregar o esforço, nosso e dos outros, a tentar concretizar um estado da arte informado. Estamos, contudo, felizes por podermos apresentar um objecto agradável e descontraído, a papel e tinta, que dá corpo às indagações dos nossos convidados. A ideia para Artistic Research Does foi ganhando forma na sequência do seminário internacional Conversations on Artistic Research, decorrido em Novembro de 2014 na FBAUP (org. NEA – Núcleo de Investigação em Educação Artística).
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Marina Pereira Cyrino
Marina Pereira Cyrino (Brasil) transita entre improvisação, composição e improvisação, tendo como foco de sua prática musical a mistura e o experimento: o possível (res)soar do corpo-músico atravessado por imagens, objetos, elementos cênicos, palavra, escuro, movimento. Formada em música no Brasil e na Suécia, é doutora em Performance Musical pela Universidade de Gotemburgo.
www.marinacyrino.art.br