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As travessias que Marta Araújo nos propõe contribuem para uma descolonização do conhecimento, para um despertar e visibilizar de questionamentos e resistências, e para um reconhecimento de que as escolhas (de imagens e de discursos) que fazemos podem configurar a complexidade de um outro tempo.
Poderia dizer que o texto que se segue de Marta Araújo resulta da sua participação no seminário final do projeto [in]visible, intitulado “bruaá do [in] visível: discursos das imagens nos manuais escolares”, e, com precisão, da sua comunicação proferida no dia 18 de julho de 2024, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal)… poderia dizer que a reflexão que partilha aqui connosco foi transcrita somente para este momento de leitura… Contudo, o percurso de investigação que tem trilhado ao longo dos anos, confirmam, no meu entender, uma solidez na vontade de tornar visível e questionável o eurocentrismo e racismo que tem vindo a analisar nos manuais escolares relacionados com a disciplina de História no terceiro ciclo do ensino básico português. Noções como a indecidibilidade, o pós-modernismo de resistência, os estudos pós-coloniais e “historicização” das relações de poder, e a amplitude das narrativas sobre nação, raça e cidadania, são o ponto de partida nestas travessias falando-nos sobre a construção do conhecimento e imaginário eurocêntrico, sobre o que, quem e como merece ou não ser lembrado e memorializado, ou seja (in)visibilizado.
A partir da pintura Seiscentista “Chafariz d’El-Rei”, utilizada nacionalmente e internacionalmente no ensino da história (manuais escolares), em contextos culturais (exposições) e nos media (documentário), as travessias do texto demonstram como estas leituras redutoras continuaram a apostar numa “abordagem despolitizadora da história colonial que reifica o excecionalismo nacional” (p. 10), continuando a hegemonia das visões e narrativas lusotropicalistas. Narrativas que invisibilizam as desigualdades raciais, que evadem o racismo institucional, estrutural e do quotidiano, e que contribuem para a legitimação da ideia de que a “sociedade portuguesa não é, na sua generalidade, racista”. Raros são os momentos de resistências e de contrastes a estas narrativas, mas existem.
As travessias que Marta Araújo nos propõe contribuem para uma descolonização do conhecimento, para um despertar e visibilizar de questionamentos e resistências, e para um reconhecimento de que as escolhas (de imagens e de discursos) que fazemos podem configurar a complexidade de um outro tempo. A publicação deste texto, inserido na “Desajustados — Coleção de textos falados #6”, editada pelo ID_CAI – Identidades_Colectivo de Acção/ Investigação pretende estimular uma maior atenção e reflexão sobre a complexidade destes tempos e o estudo sobre as invisibilidades ocultas.
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A série ‘Desajustados, Coleção de Textos Falados’, que o i2ADS edições publica, por iniciativa do IDENTIDADES_coletivo de ação/investigação, assumida numa forma informal e selvagem, apenas pretende espalhar na forma escrita alguma das oralidades oferecidas em eventos diversos que a FBAUP e o movimento intercultural IDENTIDADES acolheu e que assim sobrevivem ao esquecimento. Outros números surgirão.