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Esta nova edição da série Desajustados - Coleção de Textos Falados surge a partir do seminário “Desperfilhar as artes visuais, o objeto enlouquecedor e o movimento das coisas”, que aconteceu entre os dias 3 e 4 de Outubro de 2024 e foi organizado dentro do programa “Arquipélago”, promovido pelo ID_CAI - IDENTIDADES_Coletivo de Ação/Investigação (i2ADS — Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade).
O historiador Achille Mbembe apresenta o “objeto enlouquedor” como o “outro” que é perseguido pelo sujeito imerso na ilusão da vulnerabilidade, como produto e invenção de seu próprio desejo e imaginação, destinados a garantir-lhe a sensação de diferença e afastamento em relação a este “outro”, ao diverso, ao estranho, para preservar sua posse, seu status social, a “pureza” racial, o poder econômico ou político.
Nos dias atuais, o “objeto enlouquecedor” passa a ser a/o estrangeira/o, a/o imigrante, refugiados, a comunidade árabe e mulçumana, o islão, a comunidade indígena, o quilombo, os movimentos sociais, ativistas ambientais como Berta Cáceres, Bruno Pereira e Dom Philips, a reforma agrária e ocupação de terras, para citar alguns.
Na obra “Políticas da Inimizade” (2017), Mbembe faz ainda uma extensa lista tecnológica e política que se desenvolve no sistema no qual o “objeto enlouquedor” é controlado: checkpoints, muros e bloqueios em estradas, controlo do espaço aéreo e marítimo, extinção e destruição de infra-estruturas, bombardeamentos, controle e identificação do perfil dos corpos e das mentes, assédio permanente, divisão territorial, violência celular e molecular, etc. Foi a partir deste sistema de controle que encontramos algo potencialmente tangível no âmbito das Artes Visuais, no desenho, na compreensão territorial e social da paisagem: o entendimento sobre perfil. A palavra “perfil”, ou ainda o verbo “perfilar”, tem sua origem no latim para expressar ou evidenciar um contorno, ressaltar a forma ou ainda qualquer sentido figurado que possa estar associado a este traçado, etimologicamente melhor definido pelo prefixo “pro” (à frente) e o substantivo “filum” (fio, linha). No entanto, reconhece-se também no “perfil” sua dimensão política, seja na intencionalidade do desenho técnico, no reconhecimento facial ou de produção de dados sobre um indivíduo, ou ainda na força política que uma pessoa carrega na sua própria identidade. Desperfilar, portanto, amplia a discussão, inclusive, no carácter paradoxal existente no entendimento da epistemologia, da diversidade, da justiça social e ambiental.
Desta forma, esta nova edição da série Desajustados – Coleção de Textos Falados surge a partir do seminário “Desperfilhar as artes visuais, o objeto enlouquecedor e o movimento das coisas”, que aconteceu entre os dias 3 e 4 de Outubro de 2024 e foi organizado dentro do programa “Arquipélago”, promovido pelo ID_CAI – IDENTIDADES_Coletivo de Ação/Investigação (i2ADS — Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade).
No âmbito das artes visuais e performativas, o seminário apresentou discussões da aproximação de uma análise transdisciplinar do perfil histórico, epistemológico e categórico no qual o sujeito e a natureza são percebidos, o território é pensado e a ciência se funde.
Nesta publicação, encontram-se textos dos autores que apresentaram suas pesquisas durante o seminário “Desperfilhar as artes visuais, o objeto enlouquecedor e o movimento das coisas”, sendo estes Isabeli Santiago, Lucie Fortuin, Mijo Miquel, Renata Gaspar, Ana Sofia Ribeiro, Felipe Argiles e Orlando Vieira Francisco. Durante os dois dias do seminário, os autores tiveram suas comunicações gravadas por áudio, depois transcritas com o auxílio de programas de edição, e finalmente editadas pelos próprios autores para esta publicação.
Qual é o perfil do tempo atual em relação ao tempo geológico? Como as Artes Visuais poderiam contribuir para uma análise do movimento a partir das migrações e os efeitos da crise climática? Como e quem define o perfil do movimento social e das frentes de resistência ao capitalismo e às indústrias extrativas? Estas foram algumas das perguntas apresentadas aos autores durante o seminário, para as quais encontrarão reflexões livres no desenvolvimento desta publicação, baseadas nos percursos de interesse e de investigação de cada autor.
Nesta publicação também se encontram imagens produzidas a partir do exercício de digitalizar e imprimir anotações feitas pelos participantes do seminário, e que gentilmente cedidas, apresentam-se como resultado complementar à leitura da presente publicação.
Convidamos à leitura nas próximas páginas dos “textos falados” em “Desperfilhar as artes visuais, o objeto enlouquecedor e o movimento das coisas”, na expectativa de ampliar o debate sobre o que já se percebe mas que ainda é preciso de alguma forma atravessar.
Orlando Vieira Francisco
A série ‘Desajustados, Coleção de Textos Falados’, que o i2ADS edições publica, por iniciativa do IDENTIDADES_coletivo de ação/investigação, assumida numa forma informal e selvagem, apenas pretende espalhar na forma escrita alguma das oralidades oferecidas em eventos diversos que a FBAUP e o movimento intercultural IDENTIDADES acolheu e que assim sobrevivem ao esquecimento. Outros números surgirão.