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A Pintura é uma Lição

A Pintura É Uma Lição, sciencia potentia est, pretende situar-se como consequência ou extensão de uma anterior publicação – Pensar o Fazer da Pintura, 31 teses sobre investigar e criar em pintura –, que assim conclui (sem concluir) o projecto BCIP, Bases Conceptuais da Investigação em Pintura, projec- to este alocado ao i2ADS, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

  • Edição
  • António Quadros Ferreira
  • Ano
  • 2022
  • isbn | issn
  • 978-989-9049-28-4
A pintura é uma lição

Apresentação

“Que la pensée soit considerée comme une chose – c ́est la première exigence pour qui veut s ́instruire de cette réalité si singulière qu ́on nomme “pensée”. On la perçoit nuageuse et volatile, suspendue, abstraite comme on aime à dire, car on croit qu ́on ne la touche pas”.
Jean-Luc Nancy, Le poids d ́une pensée, l ́approche (prefácio), La Phocide, Strasbourg, 2008, p. 7.

O presente volume, com o título A Pintura É Uma Lição, sciencia potentia est,1 pretende situar-se como consequência ou extensão de uma anterior publicação – Pensar o Fazer da Pintura, 31 teses sobre investigar e criar em pintura2 –, que assim conclui (sem concluir) o projecto BCIP, Bases Conceptuais da Investigação em Pintura, projecto este alocado ao i2ADS, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A escolha do próprio título compromete a ideia da pintura como lição – e, ao sê-lo, é também lugar e resultado de conhecimento. Por isso, a lição da pintura (ou a pintura em estado de lição) é a do poder do conhecimento em estado de sabedoria, isto é, o poder da lição-conhecimento mais não será do que a premissa da possibilidade de enfatizar-se o poder da arte como fim e horizonte. Por isso, a justificação do título que, socorrendo-se de uma expressão antiga e em latim, deseja reiterar ainda, a ideia de que a lição (e ou) do conhecimento é a casa do poder do pensamento. E o pensamento na pintura parece culminar-se na circunstância da arte em estado de relação entre criar e investigar. Então, este segundo volume – por via de um procurado motor de pensamento – deseja instar uma função de acréscimo ou de complemento em comparação com o volume anterior. De facto, a equação scientia potentia est (conhecimento é poder) viria a ser desenvolvida, reformulada ou adaptada até aos nossos dias. Assim, depois de Francis Bacon,3 e Thomas Hobbes, Michel Foucault viria a adoptar a expressão pouvoir / savoir (conhecimento / poder) como alusão ao contexto da crítica pós-estruturalista, e Pierre Bourdieu viria a investigar as estruturas organizadas de conhecimento e poder. Não obstante, o que importa é o contexto que se projecta para o paradigma da pintura como lição, e o que a relação conhecimento e poder acrescenta como mais valia para uma equação verdadeiramente centrada no princípio de que a pintura pensa.

 

conhecimento é poder

Depois do pensar o fazer, parece importar agora o fazer o pensar, ou a compreensão da ideia do poder da arte em pintura como lição de conhecimento através da tríade pensar, fazer, e dizer. Este é o cerne desta segunda publicação: também colectiva e participada por muitos Artistas (e) Investigadores, Colegas e Amigos, que aceitaram, em boa hora, esta proposta de desafio – o de se pensar a investigação artística em sede tanto de criação como de escola. E pensar a arte e a investigação em arte é, no essencial, pensar a lição que, no caso presente, trata-se de pensar a lição da pintura. Por isso, a investigação artística que aqui se questiona é do âmbito da pintura, da pintura em estado de aberto, da pintura na sua relação mais plural com o homem e a vida, com o espaço e o tempo, com o lugar e o contexto. De uma pintura que faz transcender em história uma ideia de testemunho, de caminho, e de memória. E é justamente nesta relação tríade que a pintura pode fazer manifestar a sua lição – isto é, a sua investigação integrada, que assim se questiona em lugar primeiro ou outro da própria construção da narrativa pictórica. Qual o lugar que a investigação artística ocupa na construção, oficina e fábrica da pintura? E, assim, perguntar-se se faz sentido pensar a investigação artística para além da ideia de estética primordial da arte e da pintura? Isto é, se a investigação, para além de implícita, pode ser explícita? Embora se tratem de muitas perguntas, não há o intuito de formulação de respostas objectivas e inquestionáveis, pois concluir ou fechar parece ser a negação do sentido aberto e livre da arte e da pintura.

 

a investigação em (e para a) pintura

A presente compilação de 21 ensaios tem que ver com a ideia de investigação artística associada à prática da pintura, e com o sentido da reflexão que pode acontecer em torno de uma mecânica de acção que faz emergir o mero acto de pensar a pintura como pensamento primordial da criação artística. Por isso, a pintura que interessa é a de um âmbito mais global, sem fronteiras epistemológicas, e que nos faz remeter para uma dimensão também mais expandida ou distendida nos seus propósitos circunstanciais. Pelo que a pintura, hoje, é principalmente pensamento, onde a apropriação, o olhar, e a intervenção são apenas algumas das muitas instâncias que permitem a possibilidade de um entendimento de que a pintura pensa e mostra, mostra e pensa.4 E neste eixo principal acontece a construção e o testemunho, a invenção e a lição? Permanece e permanecerá, portanto, a pergunta sobre a possibilidade da lição da pintura. Lição na sua acepção mais ampla e que permite, no registo da recepção da criação artística, constatar as acções de produzir, de contextualizar e de interpretar como sendo as necessárias para a afirmação do processo na pintura. Este será provavelmente o lugar, por excelência, da lição da pintura: a lição do que se deseja saber mas que não se sabe. Por isso, quando perguntamos se a pintura é uma lição, estamos a perguntar, ainda, a relação da pintura entre a investigação e a criação, a imprescindibilidade do fazer falar a pintura, a realidade da ideia da teoria do pintor, e, final- mente, a insinuação de que a pintura pensa o mundo em lição.

Trecho retirado da Apresentação de A pintura é uma lição, scencia potentia est.
António Quadros Ferreira